Os 11 anos do pontificado de Francisco (eleição a 13 de março de 2013) estão marcados pela misericórdia e pela esperança. Temas com expressão jubilar no percurso do Papa: o Jubileu da Misericórdia em 2015-2016 foi etapa essencial para compreender o percurso do Papa Francisco, assim como também será o Jubileu de 2025 que está a ser preparado com o tema da Esperança.
Deus perdoa sempre
A misericórdia marca a vida e a experiência espiritual de Bergoglio desde sempre, a ponto de ter ficado gravada no seu mote episcopal e também papal: “miserando atque eligendo”. Uma frase retirada das Homilias de São Beda o Venerável, sacerdote, que comentando o episódio evangélico da vocação de S. Mateus, escreve: “Viu Jesus um publicano e dado que olhou para ele com sentimento de amor e o escolheu, disse-lhe: Segue-me”.
Logo no primeiro Angelus do seu pontificado, no domingo 17 de março de 2013, Francisco afirmou que o Senhor nos perdoa sempre e tem um coração de misericórdia para todos.
“Ele, nunca se cansa de perdoar, mas nós, por vezes, cansamo-nos de pedir perdão. Nunca nos cansemos, nunca nos cansemos! Ele é o Pai amoroso que perdoa sempre, que tem um coração de misericórdia para todos nós. E também nós aprendamos a ser misericordiosos para com todos”, disse o Santo Padre.
Gestos de misericórdia para uma revolução cultural
Para Francisco a misericórdia realiza-se com pequenos gestos, uma pequena revolução cultural que é um antídoto contra a indiferença. O Santo Padre afirmou-o em outubro de 2016 numa audiência geral no Jubileu Extraordinário da Misericórdia. Segundo disse o Santo Padre nesse dia, não basta experimentar a misericórdia de Deus, é preciso que a pessoa que a recebe se torne também sinal e instrumento dela para os outros. Não são precisos grandes esforços ou gestos sobre-humanos. Jesus indica-nos uma estrada muito simples, feita de gestos pequenos, são as obras de misericórdia, afirmou Francisco. As corporais e as espirituais.
Dar de comer a quem tem fome, de beber a quem tem sede, vestir uma pessoa nua, acolher um forasteiro, visitar um doente e visitar um preso, são as obras corporais.
As obras espirituais são: dar bons conselhos, ensinar os ignorantes, corrigir os que erram, consolar os tristes, perdoar as injúrias, suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo e rezar a Deus por vivos e defuntos.
Todos estes gestos simples de misericórdia podem ser o início de uma revolução. “Estou convencido que através destes simples gestos quotidianos podemos cumprir uma verdadeira revolução cultural”, disse Francisco.
Com o processo sinodal, um novo modo de ser Igreja
Com o Sínodo iniciado em outubro de 2021, Francisco lançou o maior processo de reforma da Igreja desde o Concílio Vaticano II. Mais do que um método, a sinodalidade é um novo modo de ser Igreja. Teve como primeira fase, um trabalho de base nas dioceses, que envolveu milhões de fiéis, num processo sinodal em curso que liberta energias, suscita participação, inclui vozes e testemunhos, num percurso que teve também uma inédita fase continental de aprofundamento.
Este processo sinodal é uma grande oportunidade pastoral que permite aplicar o Concílio Vaticano II. Partindo sempre da oração e da escuta da Palavra de Deus, o método sinodal coloca-nos em caminho. Um caminho conjunto em abertura pastoral aos irmãos e ao mundo.
Os participantes na primeira sessão do Sínodo em 2023 publicaram uma Carta ao Povo de Deus, na qual pedem que todos devem ser escutados. “Para progredir no seu discernimento, a Igreja precisa absolutamente de escutar todos”, escrevem os participantes do Sínodo salientando que essa escuta deve “começar pelos mais pobres”.
Da primeira sessão do Sínodo que decorreu em Roma em 2023 foi publicado um Relatório de Síntese que apresenta um texto que “recolhe as convergências, as questões a aprofundar e as propostas que surgiram do diálogo” sobre cada um dos 20 temas apresentados.
Como ser Igreja sinodal em missão? é a pergunta orientadora da reflexão que as dioceses de todo o mundo estão a fazer em 2024 a partir deste primeiro documento da XVI Assembleia do Sínodo. “As mulheres na vida e na missão da Igreja”, “o bispo na comunhão eclesial” e os “organismos de participação” são alguns dos principais temas da reflexão e discernimento a fazer até outubro deste ano.
Viver a fraternidade em Lisboa
“Todos, todos, todos”, pode ser a expressão que marca o imaginário de quem participou ou assistiu pela televisão à Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023. O Santo Padre disse-a várias vezes pedindo inclusão na Igreja. “Na Igreja há lugar para todos”, disse o Papa.
Num momento em que a Igreja procura reorientar a sua atitude perante o mundo e a sua missão evangelizadora, através do Sínodo, o modo como decorreu a JMJ de Lisboa foi bálsamo de fé e esperança.
Os participantes na JMJ chegaram inspirados pela sua fé em Jesus Cristo e convocados pelo Papa Francisco. Rumaram a Portugal vindos de mais de 180 países. Das suas bandeiras fizeram convites à relação. Espalharam a alegria pela cidade comunicando as suas sensibilidades e tradições nacionais. Com as suas canções, danças, orações, jogos, sorrisos, lágrimas e abraços, semearam a beleza da diferença.
Eram cerca de um milhão e meio de jovens de mãos dadas, sem preocupações com hierarquias e lugares. Uma multidão acreditando na paz e na fraternidade. Apresentaram-se sedentos de encontro, abertos ao diálogo, disponíveis para partilhar a vida na simplicidade. Nos momentos de oração e celebração revelaram-se capazes de fazer silêncio. Todos pecadores e, por isso mesmo, sementes de esperança.
E desses dias maravilhosos fica o apelo do Papa: “Não tenham medo”. É este o “santo povo fiel de Deus que caminha na alegria do Evangelho” afirmou o Papa Francisco na Missa de domingo 6 de agosto na JMJ de Lisboa.
Tocar a fragilidade em Fátima
As mensagens e emoções sobre a JMJ 2023 partilhadas pelos que viveram intensamente a experiência de seis dias de fraternidade em Lisboa, devem ser registadas para memória futura. Cabe nessa linha de registo, a passagem do Papa Francisco pelo Santuário de Fátima na manhã de sábado dia 5 de agosto.
Jovens com deficiência e seus acompanhantes, leigos e consagrados rezaram em várias línguas, os cinco mistérios gozosos do Terço, na Capelinha das Aparições. Um momento no qual o Santo Padre pode tocar a fragilidade e que ficou registado pela reportagem da jornalista da Agência Ecclesia, Sónia Neves.
Daniela Sá é uma jovem portadora de deficiência que esteve na Capelinha das Aparições perto do Papa Francisco com a sua acompanhante Joana Cardoso. Juntamente com outros jovens rezou o terço com o Santo Padre e cumprimentou o pontífice no final.
“Foi muito bom, também lhe dei um beijinho e foi incrível, gostei muito, foi único”, disse Daniela Sá, no final da visita do Papa ao santuário mariano da Cova da Iria.
Sobre este abraço e toque a Francisco, a jovem com deficiência afirmou que o Papa cheira “a paz”. “Foi, sem dúvida, um momento indescritível, o ponto alto desta Jornada até agora foi este momento mais íntimo com o Papa Francisco”, disse Joana Cardoso, a acompanhante de Daniela Sá.
O primeiro mistério, em português, foi rezado por Daniela Sá e por Joana Cardoso e teve como intenção os jovens presidiários, “para que, com o auxílio de Maria, possam sentir a ternura de Deus Pai nas suas vidas e vivam na confiança de que Ele nunca os abandona”.
“Foi sem dúvida mostrar que a pessoa com deficiência é mais do que a sua deficiência, temos que conseguir ver primeiro a pessoa e depois a deficiência. E isso hoje foi sem dúvida, marcante, notório, e foi um passo muito importante dado pelo Papa”, destacou Joana Cardoso.
A casa de Francisco é com os pobres
Um dos episódios mais relevantes da profunda sintonia de Francisco com os mais pobres e esquecidos, foi a sua visita ao bairro de Kangemi, em África, no Quénia, a 27 de novembro de 2015. Um dos sete bairros de lata da cidade de Nairobi no qual vivem milhares de pessoas em condições de grande precariedade e exclusão. Aí o Papa pode revelar a sua absoluta opção preferencial pelos pobres. Disse que se sentia ali como se estivesse em casa.
“Sinto-me em casa, partilhando este momento com irmãos e irmãs que têm um lugar preferencial na minha vida e nas minhas opções, não me envergonho de o dizer. Estou aqui porque quero que saibais que as vossas alegrias e esperanças, as vossas angústias e as vossas dores não me são indiferentes. Conheço as dificuldades que encontrais dia-a-dia!”, disse o Papa no Quénia.
Na ocasião, o Papa denunciou as injustiças e a marginalização promovida por “minorias que concentram o poder e a riqueza”, pediu trabalho para todos e melhores condições de vida naqueles bairros. Denunciou ainda a “apropriação de terras por parte de investidores privados sem rosto e também a criminalidade organizada que usa os mais jovens nas suas atividades ilícitas.
Em Buenos Aires, nos seus tempos de arcebispo, era possível encontrar o cardeal Jorge Mário Bergoglio, visitando às “villas miseria” que são os bairros de lata da grande metrópole argentina. A sua presença era habitual e um lugar onde ele, na missão eclesial de pastor, sentia em modo direto o “odor das ovelhas” do seu “rebanho”.
Destaque no pontificado de Francisco para a criação do Dia Mundial dos Pobres que se celebra no 33º Domingo do Tempo Comum do calendário litúrgico e foi criado pelo Papa para assinalar o Jubileu da Misericórdia. A primeira edição foi em 2017.
Abrir o coração à esperança que é Jesus
O caminho com Francisco leva-nos da misericórdia à esperança, que será tema do Jubileu no ano 2025. “Peregrinos de esperança”, é a frase motivadora que acolhe o tradicional ano santo que a Igreja celebra a cada 25 anos. E a esperança acompanha o pontificado de Francisco desde os primeiros dias em 2013.
Logo na primeira Páscoa como Papa, 11 dias após a eleição, no Domingo de Ramos, a 24 de março de 2013, perante mais de 200 mil fiéis na Praça de S. Pedro, o Santo Padre dirigiu-lhes palavras de encorajamento dizendo para viverem na esperança: “E por favor, não deixeis que vos roubem a esperança! Não deixeis que roubem a esperança! Aquela que nos dá Jesus”, disse o Papa.
Recordemos que Francisco dedicou ao tema da esperança cristã vários meses das suas catequeses nas audiências gerais das quartas-feiras, entre dezembro de 2016 e outubro de 2017. Momentos de reflexão, entretanto compilados no livro “Alegres na Esperança” e nos quais anuncia Jesus como fonte de esperança.
Por exemplo, na audiência geral de quarta-feira dia 14 de dezembro de 2016 o Papa propôs mais uma catequese na qual recordou o profeta Isaías que nos convida a abrirmo-nos à esperança, acolhendo a Boa-Nova da salvação que é Jesus. E segundo o Santo Padre existem motivos para a esperança: a paz, a liberdade e a consolação, afirmou.
“Quando tudo parece perdido, quando à vista de tantas realidades negativas torna-se difícil acreditar e vem a tentação de dizer que já nada tem sentido, faz-se ouvir a Boa Nova: Deus está a chegar, para realizar algo de novo, instaurar um Reino de paz, vem trazer liberdade e consolação. O mal não triunfará para sempre, acabará a tribulação”, sublinhou o Papa.
Somos chamados a ser homens e mulheres de esperança, lembrou Francisco, pois a humanidade tem fome e sede de justiça e de paz. E a promessa cumpre-se no Menino de Belém, uma criança que nasce “necessitada de tudo” colocada “numa manjedoura”. Ali está todo poder do Deus que salva. “É preciso abrir o coração – o Natal é o dia para abrir o coração”, declarou o Santo Padre afirmando que no Natal é preciso abrir o coração a toda a “pequenez” que está ali naquele Menino. Abrir o coração à esperança que é Jesus.
“É a surpresa de um Deus Menino, de um Deus pobre, de um Deus débil, de um Deus que abandona a sua grandeza para se fazer próximo de cada um de nós”, disse Francisco no final da sua catequese nesse mês de dezembro de 2017.
Desde 2013, que misericórdia e esperança são marcas muito fortes de Francisco em 11 anos de pontificado. E neste ano de 2024, a XVI Assembleia do Sínodo será semente de esperança, preparando o ano jubilar de 2025 que verá a abertura da porta santa na noite de Natal no próximo mês de dezembro.
Fonte: Vatican News