Os livros dos Evangelhos e Atos nunca aplicam o vocabulário sacerdotal a Jesus e nem a seus discípulos. Mas a carta aos Hebreus aplica especificamente a Cristo os títulos de sacerdote e de sumo sacerdote e lhe atribui qualidade sacerdotal.
Cristo foi sumo sacerdote? A resposta é sim, mas não é simples de explicar, pois Jesus não é de família sacerdotal. Aparece em conflito com os sacerdotes de então. Será que ele aboliu ao sacerdócio? Claro que não. Consciente do problema, o autor de Hebreus, entregou-se ao exigente esforço de aprofundar a fé conseguindo assim formular uma doutrina estimulante e substanciosa sobre o sacerdócio de Cristo.
Hebreus começa a tocar no assunto ao final do segundo capítulo, relatando duas importantes novidades. “Jesus teve que assemelhar-se em tudo a seus irmãos para ser misericordioso e sumo sacerdote fiel no que diz respeito a Deus para apagar os pecados do povo. Pois ele mesmo tendo sido provado pelo sofrimento, está em condição de prestar socorro aos que são provados”. Em que isso consiste? Em assumir toda a condição humana, inclusive seus aspectos mais dramáticos como: provação, tentação, sofrimento e morte. A novidade está em que a dinâmica do sacerdócio exige descida. Cristo está intrinsecamente marcada por ela. Esvazia-se assumindo em tudo a condição humana. O Pai o exalta. O fim é a glória, mas passando, obrigatoriamente, pelo rebaixamento.
O sacerdócio antes de Cristo e o dele. Na época, entre os judeus, o sumo sacerdote representava a mais alta dignidade que um ser humano pudesse alcançar, a escala mais alta da hierarquia civil e religiosa. A dinâmica do sacerdócio, portanto não conhecia decida, mas somente subida. O cargo era muito disputado entre as famílias que tinham direito: na maioria das vezes comprado ou usurpado (cf. 2 Mac 4,7-8.24.32-34). Para eles o caminho de acesso ao sacerdócio era o da ambição e o exercício do sacerdócio o engrandecimento de si. A carta aos Hebreus rejeita esse caminho e sinaliza, decididamente, em direção oposta. Cristo renunciou todo o privilegio e desceu até o nível mais baixo, aceitando a semelhança completa com seus irmãos, partilhando inclusive seus sofrimentos e morte. Este modo de conceber o sacerdócio não se distanciava só das práticas deploráveis de então, mas também das práticas positivas como as dos rituais de consagração que diferenciavam claramente de todos os seres humanos aqueles aos quais era reservado servir a Deus (cf. Ex 28-29 e Lv 8-9). O banho ritual de purificação e de separação. A mudança de vestes e a imposição dos ornamentos sacerdotais e elevação da pessoa. A unção com óleo perfumado como impregnação de santidade. Além disso, a ausência de qualquer enfermidade ou defeito físico (cf. Lv 21,21), bem como evitar como o contato com doentes e mortos (cf. Lv 21,18). Pois a enfermidade física e a morte pareciam inconciliáveis com a santidade do Deus vivo.
O autor de Hebreus, porém, não evoca rito algum de consagração ou investidura, mas somente o dever de assemelhar-se a seus irmãos. Não exclui taras físicas e nem evita contato com a morte, pelo contrário, as inclui no caminho que leva ao sacerdócio. Era necessário que Jesus sofresse, era necessário que passasse pela morte.
Como se dá a consagração de Cristo? A consagração sacerdotal não se realiza por meio de ritos de separação, mas pela aceitação de uma solidariedade total com a humanidade. Abandona os preceitos de separação ritual e insiste na exigência de solidariedade fraterna. Quanto à glória: “aquele Jesus que se tornou um pouco inferior aos anjos acha-se, por causa da morte que padeceu, coroado de glória e honra” (Hb 2,9). Ele chega a perfeição por meio dos sofrimentos e assim promove a salvação de todos. “O santificador e o santificado têm a mesma origem, por isso, ele não tem vergonha de chamá-los de irmãos” (Hb 2,11).
A ressurreição de Cristo não é unicamente a anulação de sua morte, mas também consequência dela. A morte de Cristo leva ao florescimento glorioso de uma vida nova. O Hino em Filipenses (2,8-9) ilumina este paradoxo, indicando que a morte de Cristo foi um ato de obediência. Precisamente isso lhe valeu a glorificação por Deus. Em Fl 2,1-5 coloca-se esse ato em perspectiva de amor fraterno. Aí está a base da Cristologia Sacerdotal. Se a morte de Cristo o levou a glória de sumo sacerdote é por ter sido um ato de obediência filial para com Deus e solidariedade fraternal para com a humanidade. Estes dois aspectos são inseparáveis. Cristo é o único homem no qual se realizou completamente a vocação humana, sua solidariedade com a condição humana foi total, por outro lado, Cristo levou ao termo o projeto de Deus a respeito da humanidade. Ele mudou sim, teve êxito por que mudou desde dentro de si mesmo.
Assim a posição alcançada por Cristo corresponde ao que se esperava de um sumo sacerdote, isto é, ser mediador. Ele não fala somente de uma posição a alcançar ou de um caminho a percorrer, fala de uma profunda transformação acontecida através do sofrimento. A paixão de Cristo é, portanto, uma consagração sacerdotal de um novo gênero.
O foco do sacerdócio do Antigo Testamento era a relação com Deus. Em Cristo temos a união privilegiada com Deus e a estreita solidariedade par com a humanidade. O sacerdócio é uma função de mediação e requer essa dupla relação, o mais perfeitamente possível, tanto com Deus quanto com a humanidade.
Credenciais do sacerdote. O sacerdote, mais do que fiel, precisa ser digno de fé (cf. Hb 2,17 e 3,1). Uma coisa é ser fiel a Deus, outra coisa é ter a fidelidade respondida, isto é, que os outros creiam. O texto apresenta Cristo com sumo sacerdote digno de fé. Para onde ele nos leva? Aderindo a Cristo as pessoas se convertem em santuário de Deus. Isso fecha o caminho de todas as concepções individualistas da fé, pois a fé tem, necessariamente, duas dimensões: põe o crente em relação pessoal com Deus mediante Jesus Cristo glorificado, mas ao mesmo tempo o faz entrar na casa, isto é, na comunidade animada pela fé. Tais dimensões não podem ser separadas porque somente juntas definem a mediação de Cristo. O Sumo sacerdote digno de fé no que se refere a Deus (cf. Hb 2,17) e digno de fé em toda a sua casa (cf. Hb 3,2). Por um lado, os crentes são já, agora, casa de Deus, por outro, serão plenamente introduzidos nela, quando entrarem no repouso de Deus. Escutando a voz de Cristo chegaremos a intimidade definitiva com Deus.
O Sacerdócio e a miséria humana. Para exercer o sacerdócio não basta ocupar uma posição privilegiada diante de Deus e nem poder falar em nome Dele. É necessário estar estreitamente vinculado aos homens, pois, a função do sacerdote consiste em realizar uma mediação entre a humanidade e Deus (cf. Hb 4,15-16). Esta relação se caracteriza pela compaixão e pela misericórdia. Faltando uma das disposições não haveria sacerdócio. Para ser sacerdote, a pessoa precisa ser compassiva com a humanidade e agradável a Deus. Cristo é sumo sacerdote, ao mesmo tempo, misericordioso em relação aos homens e acreditado junto a Deus. O que assegura isso é o modo como ele chegou ao sumo sacerdócio. Chegou a sua glória atual pelo caminho da paixão. Sua glória não é a da ambição satisfeita, mas a do amor generoso. A ambição satisfeita é a de quem atingiu o que buscava, o amor generoso é o que nada reservou para si, deu-se todo inteiro até o extremo.
A misericórdia sacerdotal. A autoridade de sua Palavra assegura a firmeza de sua fé. A certeza de sua compaixão suscita o impulso de sua confiança. O sacerdócio existe para servir. Cristo foi provado (cf. Hb 2,18), possui agora a experiência de nossas dificuldades, conhece por dentro nossa condição humana. É um homem provado. Foi assim que ele adquiriu uma capacidade de profunda compaixão.
Para poder compadecer-se de verdade é mister ter padecido. O homem que está sendo provado, se sente tentado a rebelar-se e a desanimar, mas enquanto não cede, não tem pecado, assim a prova não faz mais que aumentar sua têmpera. Jesus foi provado e tentado, mas não pecou (cf. Hb 2.17 e 4,15). A autêntica solidariedade com os pecadores não consiste em se fazer cúmplice de suas culpas, mas em levar com eles todo o peso das consequências do pecado. Foi isso que Jesus fez.
Tomado de entre o povo e posto em favor do povo. Hebreus 5,1-4 nos faz saber que todo o sumo sacerdote é tomado de entre o povo posto em favor do povo no que se refere a Deus para oferecer sacrifícios e dons pelo perdão dos pecados. É capaz de compaixão para com os ignorantes e extraviados porque ele mesmo está envolto em fraqueza e por causa dela, deve oferecer sacrifícios pelos próprios pecados e os do povo. Ninguém se arroga essa dignidade a não ser o chamado por Deus mesmo.
Há um duplo vinculo de solidariedade entre o sacerdote e os demais seres humanos: um de origem e outro de destino. A prioridade do sacerdócio é atuar em favor da humanidade, oferecendo sacrifícios. Isso acentua a solidariedade para com os pecadores. O Antigo Testamento distinguia dois tipos de pecado: aquele cometido por ignorância e aquele cometido com mão levantada, isto é, com plena consciência. A expiação sacrifical só era admitida para o primeiro caso.
Caminho fechado aos ambiciosos. Em Hebreus 5,4, o que se acentua não é a glória do sacerdócio, nem a grandeza do chamado divino, mas a humildade necessária do sacerdote. A solidariedade com as pessoas miseráveis conduz à humildade diante de Deus. O sacerdócio não é uma posição que alguém possa se elevar para pôr-se acima de seus semelhantes, mas um dom de Deus que põe a serviço dos seus semelhantes. É uma diaconia, isto é, um serviço.
Como Cristo foi feito sumo sacerdote? Hebreus 5,5-6 dá a resposta. Ele não se arrogou o sacerdócio, recebeu daquele que disse: “Eu hoje te gerei”, o Pai. E fez por meio de uma oferenda dramática. Ofereceu orações e súplicas com grande clamor e lágrimas (cf. Lc 22,40-45). Embora sendo filho aprendeu a obediência-submissão, pelo próprio sofrimento (cf. Hb 5,7-8). Deus escuta a súplica de Cristo, mas Cristo realiza a vontade de Deus. A paixão de Cristo é, ao mesmo tempo, oração e oferenda que leva ao resultado esperado.
Aí se compreende porque o autor de Hebreus não apresenta qual o objeto da oração de Cristo. Diz somente que orou. Cristo sofreu e não só sofreu, mas foi transformado pelo sofrimento.
O aprendizado pela obediência e a acolhida da oração se unem em um nível mais profundo. A ação de Cristo consiste em solicitar a ação de Deus na oração e em acolhê-la na obediência. A acolhida da oração por Deus se confunde com a transformação de Cristo realizada por ele através do sofrimento educador. Esta oferenda escutada se constitui no mais perfeito dos sacrifícios.
A transformação (Hb 5,9-10). O ponto decisivo é a transformação de Cristo “tornado perfeito”. A perfeição chegou pela educação através do sofrimento. A transformação, de que se fala, consiste na renovação radical da natureza humana, capacitando-a para a perfeita comunhão com Deus. Tal renovação se leva a cabo graças a reconciliação. A renovação pela transformação é uma capacitação que torna o salvado, salvador. A transformação que se realizou nele não é individual, de um homem isolado, mas a do ser humano, comunicável a todas as pessoas e a cada uma delas.
Novas perspectivas. Hebreus, ao falar da instituição do sacerdócio, não diz uma única palavra sobre os ritos de consagração que, na lei de Moises, eram descritos minuciosamente (cf. Ex 29; 39; Lv 8-9; Eclo 45,7-15). Também não usa o vocabulário da santificação ritual. O autor de Hebreus usa simplesmente a palavra anthrôpos que se refere a todo ser humano sem distinção de etnia, cultura, condição social, sexo, etc.… e a emprega na forma mais indeterminada possível: no plural e sem artigo. Este mesmo procedimento tem em relação ao destino do sacerdócio.
O sumo sacerdote está posto em favor dos homens. Isto é uma grande novidade. No Antigo Testamento se dizia que o sacerdote estava a serviço de Deus, e quem recorre ao sacerdote são os filhos de Israel. Aqui se diz que é tomado de entre os homens e estabelecido em favor dos homens. Não há maior abertura e universalidade.
Outra diferença significativa entre o Antigo e o Novo Testamente é que o primeiro acentuava a glória do sumo sacerdote e o Novo acentua a fraqueza dele. Por que tanta diferença? Porque o nosso autor, para definir as características fundamentais do sacerdócio, deixou-se guiar pela paixão de Cristo. Aí o sumo sacerdote é manso e humilde de coração (cf. Mt 11,29). Manso para com seus irmãos miseráveis (cf. Hb 5,2-3) e humilde de coração com eles diante de Deus (cf. Hb 5,4).
Outro ponto a destacar é que o sumo sacerdote antigo precisa oferecer por causa de suas fraquezas, mas o que ele oferece não é a fraqueza. Oferece dons e sacrifícios. Jesus Cristo, porém, não oferece dons e sacrifícios exteriores a sua pessoa, mas apresenta a Deus em uma oração suplicante a própria condição de fraqueza e angústia (cf. Lc 22,41-44). A oferenda de Cristo é a própria fraqueza. Passa-se assim, de sacrifícios rituais e exteriores, para um sacrifício existencial. Mas um gesto humano não basta para se constituir em verdadeiro sacrifício, ele precisa ser aceito por Deus, porque a oferenda não aceitada, não é santificada. No caso de Cristo não houve celebração de sacrifício ritual de consagração algum, mas uma transformação existencial, realizada por meio de acontecimentos dolorosos que consumiram Cristo com a oração. Essa foi a consagração de Cristo.
O ponto decisivo aqui é a relação entre sacerdócio e filiação divina já que é pela filiação divina que se deduz a eternidade do sacerdócio. O autor de Hebreus nunca fala que Cristo foi feito filho, pois ele o é desde sempre. O que fala é que ele foi feito sumo sacerdote.
O culto antigo se caracteriza pela multiplicidade e exterioridade de suas ações. O novo se caracteriza pela oferenda de Jesus Cristo, única e pessoal. Isso porque segundo a intenção do autor é necessário ressaltar as diferenças entre o sacerdócio Cristo e o sacerdócio antigo. Tanto o sacerdócio antigo quanto a lei eram apenas um esboço dos bens futuros. Elas têm valor, mas o valor é limitado, transitório, condicional (cf. Hb 8,6).
Com Cristo é diferente. Aí temos: outro sumo sacerdote, outra tenda, outro sangue e outra entrada. Ele começa sua oferenda na terra como os demais sacerdotes, mas termina no céu, pois é transformado em outro nível de existência.
A finalidade da oferenda sacrifical é alcançar uma transformação profunda da pessoa. Trata-se de tornar perfeita sua consciência. Espontaneamente se compreende o sacrifício como um meio de agradar a Deus e obter seus benefícios. Mas segundo o autor não é assim. O resultado do sacrifício deve ser antes de tudo transformar quem o oferece. Não basta consagrar as mãos, é necessário transformar as consciências. No rito antigo a vítima era destruída e não transformada.
O processo sacrifical e a tenda mais perfeita (cf. Hb 9,11-12). A tenda é, junto com o sangue, o meio empregado para entrar no santuário. O estreito paralelismo que o autor estabelece entre a tenda e o sangue nos orienta para a catequese primitiva. O sangue é o próprio de Jesus e a tenda é o próprio corpo dele (cf. Hb 1,3.13; 8,1; 10,12; 12,2; Jo 2,19-22). Assim a maior e mais perfeita tenda (Hb 9,11) é o templo construído em três dias não fabricado por mãos humanas, mas obra divina realizada na paixão, morte e ressurreição de Jesus. É o corpo glorificado de Cristo, nova criação realizada em três dias graças à efusão do sangue dele. Por meio de seu corpo glorificado Cristo chega à direita de Deus.
A oferenda pessoal de Cristo. A oferenda é de caráter pessoal. Não sangue de cabras e novilhos, mas o seu próprio sangue. Cristo não se suicidou, foi condenado e executado. Para Jesus o acontecimento do calvário tem aspecto de passividade. A palavra paixão indica isso com propriedade, mas paradoxalmente, essa passividade se fez ocasião da atividade mais eficaz que poderia haver. Por sua forma de suportar paixão e morte Cristo foi sumamente ativo e realizou uma obra de transformação positiva que supera em valor a primeira criação. Cristo sacrificou a si mesmo. Assim agora os cristãos (cf. Rm 12,1). Sacrificar significa fazer sagrado, impregnar de Deus. Ele foi passivo e ativo ao mesmo tempo, pois enquanto era oferecido também oferecia, era sacerdote e vítima ao mesmo tempo, coisa que o ritual antigo nem se quer suspeitava que pudesse acontecer. Pelo contrário, exigia manifesta distinção.
Encontramos aqui as duas dimensões do amor evangélico: amor a Deus e amor a humanidade o qual se realizou plenamente em Cristo. Ardendo de caridade é como Cristo se encontra transformado em um sacrifício agradável a Deus.
O nosso autor apresenta a morte de Jesus Cristo sob um tríplice aspecto: como pena expiatória, como sacrifício de aliança e como condição para que entre em vigor um testamento.
Cristo se revela verdadeiramente sacerdote já que a função do sacerdote consiste em abrir essa possibilidade de encontro autêntico com Deus. Convertendo-se no homem do santuário que se mantêm na presença de Deus, ofereceu a si mesmo um sacrifício único e decisivo, irreversível, irrepetível, conclusivo e total. A paixão e a glorificação de Cristo formam uma unidade indissociável e constituem um autêntico sacrifício. O que no Antigo Testamento era figura, metáfora, agora se torna tremendamente real.
No Antigo Testamento a consagração valia somente para o que a recebia. Só ele se tornava sacerdote. Só ele estava capacitado para entrar no santuário, mas não podia ser seguido por ninguém (cf. Lv 16,17). No caso de Cristo um único sacrifício vale ao mesmo tempo para o sacerdote e para todo o povo. Em um único ato de oferenda Cristo recebe a consagração sacerdotal e associa estreitamente a ela, todos os fiéis. Assim em Hebreus 10,14 vemos afirmada a participação de todos os crentes no sacerdócio de Cristo.
O sacerdócio de Cristo e a existência cristã. Se a plenitude do sacerdócio se manifesta em Cristo todos os cristãos são convidados a corresponder a ele, com toda sua vida. Abolida a separação entre a vítima oferecida e Deus. Abolida a separação entre o sacerdote e a vítima. Cristo é um sacerdote que associa o povo a seu sacerdócio. Os cristãos agora podem apresentar a Deus oferendas e sacrifícios. O culto consiste em transformar a própria existência por meio da caridade divina, verdadeiro “fogo do céu”.
O sacrifício de Cristo apresenta dois aspectos inseparáveis: o primeiro diz respeito à relação com Deus, é a obediência, a adesão pessoal à vontade divina. O segundo diz respeito à relação com as demais pessoas, é a solidariedade fraterna que chega até o dom total de si mesmo. A mesma expressão: fazer a vontade de Deus que antes definia o sacrifício de Cristo, define em continuidade, a vocação cristã e se aplica tanto à atividade do crente em meio a provação quanto em outra atividade positiva (cf. Hb 13,16). O culto não precisa mais se colocar a margem da vida considerada profana, mas tem que assumir a própria vida como ela é para transformá-la em oferenda generosa de obediência a Deus e de abnegação fraternal.
Admissão. Para ser admitido a presença de Deus a pessoa precisa de três condições: ter um passaporte que permita se aproximar dele sem medo. Ter um caminho que conduza ao verdadeiro santuário. Ter um sacerdote que os introduza diante de Deus. Estas três condições são dadas por Jesus Cristo (Hb 10,19-22).
A mediação na comunidade cristã. A autoridade sacerdotal de Cristo não tem outra finalidade que comunicar a salvação a todos os que lhe obedecem, já que Cristo é sumo sacerdote misericordioso e digno de fé ao mesmo tempo. Também este outro aspecto do sacerdócio de Cristo se apresenta no ministério dos dirigentes, já que são eles que estão a serviço dos fiéis “velam sobre vossas almas” (Hb 13,17).
A pessoa mesma de Jesus Cristo, o grande sacerdote, tem que estar representada entre os fiéis no momento em que lhes doa seu corpo e sangue e isso acontece por meio dos dirigentes. Dizer isto não é exagerar na importância dos dirigentes. É situá-los no lugar que lhes corresponde. Eles não são mediadores que substituem Cristo, mas crentes dos quais Cristo mediador se serve. O que eles fazem pelo bem das almas o fazem sabendo que deverão dar conta delas.
A Igreja de Cristo: povo sacerdotal. A fé é a nova condição que permite aos homens, apesar de serem imperfeitos, exercer as funções sagradas e entrar como sacerdotes a serviço de Deus. Está claro que o fundamento do sacerdócio não é o mérito das pessoas, por outro lado a miséria deles não se constitui em obstáculo para a sua participação no sacerdócio. Essa condição, possibilidade é para todos, indistintamente, quer venham do judaísmo, quer venham do paganismo.
Aderindo pela fé a Cristo ressuscitado, os crentes não somente são introduzidos neste santuário, mas se convertem em pedras vivas dele. Está claro que não se trata de um edifício material, trata-se então de uma casa espiritual.
Os qualificativos dados a esta nova sociedade eleita são coletivos e corporativos aplicáveis somente a um povo ou a uma comunidade e nunca a indivíduos. É evidente que se trata da participação do cada cristão no sacerdócio comum. A oração e a oferenda sacerdotal do cristão nunca pode ser individualista. A condição para fazer oferta aceitável a Deus é participar da casa espiritual.
OBS: Este trabalho é todo baseado no livro Sacerdotes Antíguos, Sacerdote Nuevo de Albert Vanhoye, Ed Sígueme, Salamanca, 1984.